A novela das nove e o Ultrarromantismo

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Melissa e Diego da novela das 21h: O outro lado do paraíso


Muito se tem falado sobre um núcleo de personagens da novela das nove "O outro lado do paraíso", isso porque esse núcleo conta a história de um homem chamado Diego, que não quer ter relações sexuais com a própria esposa chamada Melissa, por ela ser "virgem e pura" e ele não quer "estragar a pureza" da moça.
Por outro lado, o mesmo tem vida sexual ativa no bordel da cidade, porque acredita que o sexo é algo impuro e só deve ser feito com prostitutas.
A sua esposa não, ela é uma santa, objeto de adoração e não deve ser maculada.
Nos sofás de casa não se fala em outra, ninguém está entendendo nada, o pensamento do rapaz é tido não só como retrógrado mas também como doentio.
E aonde entra o ultrarromantismo da Literatura Brasileira nisso tudo?
Bom, com certeza foi nele que o autor tirou a inspiração para essa trama.
O Ultrarromantismo foi um momento da nossa literatura que foi marcado pelo culto a figura feminina. Seu auge foi no século XIX e contava com alguns hoje consagrados autores como Álvares De Azevedo e Casimiro De Abreu. Esses poetas geralmente viviam em tavernas escuras e úmidas bebendo vinho e se deitando com meretrizes. Foram vítimas do chamado "Mal Do Século" como assim era chamada a tuberculose, e todos morreram no auge dos seus 20 e poucos anos. Mas, por que esse autores boêmios serviram de inspiração para a novela das nove agora dois séculos depois?
As suas poesias ultrarromânticas sempre tinham uma musa, com o mesmo perfil: Pálida, magra, virgem, inocente e pura. Muitas vezes era colocada num pedestal de divindade, adorada e amada como uma santa. Esse amor era sempre platônico, sempre a observando. O desejo sexual era "aliviado" nos cabarés.



Vejamos a seguir um dos poemas deste tão consagrado autor Álvares De Azevedo:

Amor 

Amemos! Quero de amor
Viver no teu coração!
Sofrer e amar essa dor
Que desmaia de paixão!
Na tu’alma, em teus encantos
E na tua palidez
E nos teus ardentes prantos
Suspirar de languidez!

Quero em teus lábios beber
Os teus amores do céu,
Quero em teu seio morrer
No enlevo do seio teu!
Quero viver d’esperança,
Quero tremer e sentir!
Na tua cheirosa trança
Quero sonhar e dormir!

Vem, anjo, minha donzela,
Minha’alma, meu coração!
Que noite, que noite bela!
Como é doce a viração!
E entre os suspiros do vento
Da noite ao mole frescor,
Quero viver um momento,
Morrer contigo de amor! 

Diante do mesmo podemos identificar a presença do amor idealizado, visto somente no plano espiritual, sendo literalmente confirmado pela presença dos substantivos “palidez” e “languidez”,retratando uma mulher intocável, virginal e etérea.

Podemos notar a presença do amor não correspondido e da idealização da mulher donzela nestas três estrofes destacadas do poema "Lembrança De Morrer" do mesmo autor:


"[...] Se uma lágrima as pálpebras me inunda, 
Se um suspiro nos seios treme ainda, 
É pela virgem que sonhei... que nunca 
Aos lábios me encostou a face linda! 

Só tu à mocidade sonhadora 
Do pálido poeta deste flores... 
Se viveu, foi por ti! e de esperança 
De na vida gozar de teus amores. 

Beijarei a verdade santa e nua, 
Verei cristalizar-se o sonho amigo... 
Ó minha virgem dos errantes sonhos, 
Filha do céu, eu vou amar contigo![...]"

Já em outra obra do autor, o livro Macário. O personagem Satan se refere às prostitutas assim:



"A única que tu ganharás será nojenta. Aquelas mulheres são repulsivas. O rosto é macio, os olhos lânguidos, o seio moreno... Mas o corpo é imundo. Tem uma lepra que ocultam num sorriso. Bufarinheiras de infâmia dão em troca do gozo o veneno da sífilis. Antes amar uma lazarenta!"

Nota-se a diferença entre a forma com que cada ideia de mulher é retratada: a virgem é pura e quase divina, a prostituta é bela porém infernal.
A mulher amada dedica-se a adoração e a pureza de sentimentos, à mulher da vida resta o pecado da luxúria, a lascívia e o sexo impuro.

Vemos que essa ideia de separar as mulheres entre "para casar" e "para se divertir" não é algo novo. É algo de séculos atrás, e devemos superá-la.
Nossa sociedade atualmente não entende a conduta do personagem Diego, porém, compreende o homem que busca nas prostitutas práticas mais polêmicas como os fetiches em geral. A sociedade aceita a existência da prostituição como "válvula de escape" para que os homens façam aquilo que consideram sujo/errado com as prostitutas, e que as "mulheres honestas" não fazem ou não podem se submeter.
Nossa sociedade foi criada sob dogmas religiosos que permeiam a forma com que enxergamos o sexo até hoje.No futuro tudo isso será como um passado negro da nossa sociedade que não gostaremos nem de lembrar.

Até os próximos capítulos!

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